sábado, 24 de março de 2007

Líder: Leonel de Moura Brizola

Relatar a biografia de um personagem singular e suas relações dentro do contexto social vivido pelo personagem possibilita entrelaçar sua trajetória com base no seu itinerário construído a partir de estratégias que orientam seu trajeto único. Analiso assim a biografia de Leonel de Moura Brizola, entrelaçando os episódios pessoais com os episódios coletivos da vida política brasileira. Analisar sua caminhada política e pessoal apresenta elementos importantes para a compreensão de sua historia de vida.
Falar de Leonel Brizola é falar de uma dualidade singular, nele encontramos o melhor exemplo da expressão “ame-o ou odeie-o”, pois “parte da população atribui a ele todos os males do Estado e da cidade do Rio de Janeiro. Para outra parcela, a ele estão associadas às esperanças perdidas do passado mais recente”. E através do acompanhamento da trajetória política de Brizola podemos explicitar tendências, tensões e características inerentes ao campo político em que o mesmo atuou.
Leonel de Moura Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922 no povoado de Cruzinha, hoje, Carazinho (RS). Oriundo de família de lavradores era filho de José de Oliveira Brizola e Onívia de Moura Brizola. Seu pai morreu na Revolução Federalista de 1923, lutando ao lado das forças federalistas.
Iniciou seus estudos em São Bento, em 1945 e ingressou na Escola de Engenharia da Universidade do Rio Grande do Sul, cujo curso completaria em 1949.
Simpatizante de Getúlio Vargas, Brizola ingressou no PTB em agosto de 1945, Sua trajetória política teve início de forma surpreendente, já em 1947 foi eleito pelo Rio Grande do Sul Deputado Estadual pelo PTB.
Em 1950 casou-se com Neusa Goulart, irmã de João Goulart. Esse acontecimento virá a ser decisivo em sua vida política, pois através do casamento Brizola passou a ter mais contato com Getúlio Vargas.
Após seu primeiro mandato no legislativo estadual, Brizola foi reeleito em 1950, sendo em 1954 eleito deputado federal. Nas eleições de 1958, Brizola foi eleito Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Foi o chamado “fenômeno Brizola”.
Brizola tomou posse em 1959 e, consolidou sua posição entre os “nacionalistas radicais”, desapropriando uma subsidiária da American and Foreign Power no Rio Grande do Sul, encampando a empresa pelo preço simbólico de um cruzeiro. Essa medida gerou uma crise nas relações entre Brasil e Estados Unidos.
Em 1962 foi encampada a Companhia Telefônica Rio–Grandense, subsidiária da International Telephone and Telegraph (ITT). Esses episódios tiveram ampla repercussão tanto no âmbito nacional quanto internacional. Conferindo a Brizola um perfil nacionalista e antiimperialista, transformando-o no grande opositor ao americanismo e às multinacionais.
Brizola teve projeção nacional em 1961, pois com a renúncia do Presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 e a ausência do vice-presidente João Goulart, em missão oficial na República Popular da China, foi empossado interinamente o Presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Após este episódio, iniciou a crise política devido à tentativa de veto dos ministros militares à posse de Goulart. Em várias regiões foi iniciado um movimento de resistência aos planos dos militares, chamado de legalismo.
O ponto mais alto da resistência foi no Rio Grande do Sul, e teve Brizola como líder, que ocupou duas rádios gaúchas e formou a “cadeia da legalidade”, comandando 104 emissoras dos porões do palácio, onde se concentravam os correspondentes estrangeiros, mobilizando a população em defesa da posse de João Goulart.
Odílio Denis, Ministro da Guerra, ordenou ao comandante do III Exército, Machado Lopes ações que eliminasse o foco do movimento, agindo com toda a energia e, se preciso, deslocando tropas do interior em direção a Porto Alegre para tomar de assalto o Palácio Piratini, caso fosse necessário poderia ser empregado até mesmos aviões para o bombardeio do Palácio. Brizola apelou para que viessem até o Palácio os que estavam dispostos a lutar.
Ao final, emocionado, Brizola enfatizou que, se os golpistas viessem, encontrariam escombros naquele Palácio, como símbolo da resistência (...).
A resolução deste conflito foi à descentralização o poder das mãos de Jango. Foi então negociado que Jango assumiria a Presidência e, mais tarde, um plebiscito iria decidir o sistema de governo entre o Presidencialismo ou Parlamentarismo.
Brizola passa a articular sua candidatura ao legislativo federal pelo Estado da Guanabara (rio). Em 1962, Brizola é eleito com 269 mil votos, um recorde, mantendo-se durante anos.
Numa pesquisa sobre as preferências do eleitorado para uma eleição à Presidência da Republica Brizola lidera a pesquisa com 27% das intenções de voto, sendo seguido por Juscelino e Lacerda com 22% e 20% respectivamente. Este dado aponta a grande popularidade que Brizola vinha adquirindo no Estado da Guanabara, tido como o líder mais preeminente da esquerda.
Brizola possuía o que só um outro político de âmbito nacional, Jânio Quadros, podia proclamar: uma presença eletrizante em campanha política. Traduzia a retórica do nacionalismo radical para a linguagem das ruas. Arrogante e grosseiro, era dado a lutas corporais com seus inimigos políticos no recinto do Congresso ou em salas de espera de aeroporto, tendo a coragem estimulada pela presença de vários guarda-costas armados. Este lado rudemente viril de Brizola aumentou as simpatias das classes mais baixas por ele e ao mesmo tempo afastou a classe média e a ‘respeitável’ elite política. Em suma, Brizola era o mais dinâmico populista da ala esquerda. Era também uma figura isolada na esquerda. Rixento e autoritário. Esquerdista radicais, como os congressistas Sérgio Magalhães e Antônio Marcos, que pensavam em termos de cuidadosos esforços de organização em longo prazo, temiam que a ambição desmedida de Brizola pusesse em risco o futuro de toda à esquerda. Eles, juntamente com outros esquerdistas, pessoalmente honestos, também desdenhavam a vida privada ostensivamente luxuosa Brizola. Para muitos da esquerda, Brizola inspirava mais medo, do que respeito.
Esse medo ao qual se refere diz respeito a crescente aceitação popular que Brizola passava a ter, além da meteórica trajetória política, o receio a Brizola advinha da postura extremista e individualista que o mesmo possuía neste momento, uma vez que muitas acusações e ações de Brizola culminavam em graves crises políticas.
A posição de Brizola foi se tornando cada vez mais radical. Em outubro de 1963 foi criado por Brizola o movimento denominado “Grupo dos Onze”, que tinha como objetivo lutar pela implantação das reformas e a libertação do Brasil da espoliação internacional. O movimento previa o lançamento de um periódico denominado “Panfleto”, que só teve o seu primeiro número impresso.
Brizola continuava sua caminhada pela esquerda radical, despontando como o principal líder rebelde no Brasil. Em comício realizado em 13 de março de 1964, a força de seu discurso foi testada, esse comício que entrou para a história política nacional como um dos principais motivos do Golpe Militar que seria dado dias após, reuniu no palanque o Presidente João Goulart, Brizola, Darci Ribeiro e os militares Assis Brasil, General Jair Dantas Ribeiro, Almirante Silvio Mota e o Brigadeiro Anísio Botelho. Não é exagero dizer que Brizola “roubou a cena”, pois “pedindo a todos aqueles que desejassem se livrar da ‘política de conciliação’ em favor de um Governo ‘nacionalista e popular’ que levantassem a mão. A Praça da República transformou-se em uma ‘floresta de braços’. Com o Golpe Militar realizado dias depois deste comício, o sonhado Governo Nacionalista não foi realizado por Brizola.
Brizola tentou ainda convencer Jango a reagir e não aceitar passivamente o Golpe, apresentando argumentos para a reação aos militares. Junto com o Comandante do III Exército, Brizola procurou articular uma resistência, tendo inclusive conclamado a população gaúcha a pegar em armas e lutar. Mas com a crescente adesão dos militares ao Golpe e devido à proporção que o movimento golpista ganhou, Brizola procurou exílio no Uruguai dois dias depois do Golpe. Em 03 de abril de 1964, Leonel Brizola teve que fugir do País.
Durante os primeiros anos de exílio Brizola decidiu-se a organizar junto com Jango um movimento contra o regime militar. Brizola ficou exilado no Uruguai até o ano de 1977, quando o governo uruguaio decretou sua expulsão. Deixando o Uruguai, Brizola passa a residir nos EUA.
A escolha dos EUA como local de residência como a articulação política de Brizola foi sabia. Sua opção por migrar para os EUA quando extraditado pelo governo uruguaio, em 1977, aproveitando-se da política de direitos humanos de Carter, dava-lhe uma coloração mais civilizada para aqueles que consideravam excessiva sua pregação pré-golpe. A isso, unia-se seu trânsito bastante estreito com a então alta social-democracia européia, de cujos lideres tornara-se bastante próximo nos últimos tempos de exílio. Por último, o fato de ser o principal líder nacional do PTB ainda vivo dava-lhe a prerrogativa de representante máxima do ideário nacionalista que predominara no campo da esquerda, no início dos anos 60.
Foi a partir deste momento que Brizola intensifica suas ações na composição de um grupo capaz de formar um novo partido trabalhista. Não era explicita a opção pela antiga sigla do PTB ou a fundação de um novo partido. E foi com esse sentimento de incerteza que Brizola reuniu políticos trabalhistas em Lisboa - Portugal no ano de 1979, durante o encontro foi discutido o ideário trabalhista e a incorporação das propostas da social-democracia européia. Não podemos traçar um ideário trabalhista, na ciência política não existe uma definição do trabalhismo quanto ao seu teor político-teórico, um senso comum se estabeleceu na política brasileira, sobretudo gaúcha, que a adesão a Vargas significa a adesão ao trabalhismo, mas ainda não foi definido por seus ideólogos qual o suporte político desta adesão, e nem tampouco o perfil a ser seguido.
Encontramos em Brizola algumas das possíveis definições do trabalhismo, podemos identificar uma busca pela interpretação e formulação do perfil trabalhista, Uma vez que a mobilização pela retomada do PTB, que tem como ponto de partida o Encontro dos Trabalhistas do Brasil e dos Trabalhistas no Exílio e seu documento elaborado no final do encontro: A Carta de Lisboa.
Com a decretação da anistia política em 1979, Brizola retornou ao Brasil, o seu retorno foi o início de uma série de iniciativas para a criação de uma nova forma política para o seu perfil. O primeiro discurso em território nacional ocorreu na cidade de São Borja ao pé do túmulo de Getúlio Vargas. Com esta iniciativa Brizola desejava apresentar à nação seu passado e um proeminente futuro político. Discursando ao lado do túmulo de Vargas e de João Goulart, Brizola buscava a transmissão de carisma das figuras de seus antecessores no trabalhismo.
A retomada do antigo PTB fora inviabilizada pela Justiça Eleitoral. Com este impasse Brizola e seus correligionários passam a discutir e trabalhar na construção de um novo partido trabalhista, sendo criado assim o PDT.
Narrar a história brizolista é narrar a historia do PDT, uma vez que desde sua fundação Brizola foi o único Presidente do Partido, e representando assim sua chefia, e muitas vezes a ruptura com Brizola significava a ruptura com o Partido, a exemplo de alguns políticos que romperam com Brizola e se desligaram do Partido.
É interessante notar que o PDT será o único partido que nascerá na década de 80 narrando um passado glorioso, enquanto os outros partidos rompiam com o passado, o PDT proclamara seu origem na década de 30 com Vargas, e terá neste sentido a incorporação de uma série de símbolos e documentos na narrativa de seu ideário político. Sendo assim o PDT define os documentos fundadores da nação: a Carta-Testamento de Vargas, a obra de Alberto Pasqualini e a Carta de Lisboa.
Após a fundação do partido, Brizola tem seu primeiro teste político desde sua volta ao Brasil: as eleições de 1982, na qual concorreu ao cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro, que colocou em xeque os projetos e ideais criados para a “social-democracia morena”.
Com a sua vitória nas eleições, Brizola passa a governar o Estado realizando mudanças significativas nas estruturas sociais, sua vitória foi atribuída ao discurso voltado para as massas urbanas do Estado, sobretudo para a população periférica da Capital e da Baixada Fluminense.
Fiel a seu eleitorado, Brizola realizou mudanças prometidas durante a campanha, e a eleição de Brizola em 1982 para o Governo do Estado do Rio de Janeiro significou a abertura da política carioca e fluminense ao brizolismo, pois todos os governadores do Estado do Rio de Janeiro desde então foram formadas por Brizola e no PDT, tais constatações revela a importância de Brizola na política carioca e nacional, e mostra o possível legado deixado pelo líder popular Leonel de Moura Brizola.

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